05/01/2010
Por Luiz Flávio Gomes
Um advogado interpôs em causa própria um habeas corpus preventivo para se livrar da obrigatoriedade do bafômetro ou do exame de sangue (que são meios probatórios do delito previsto no art. 306 do CTB). O habeas corpus foi indeferido liminarmente pela Quinta Turma do STF. Houve Agravo Regimental, também rejeitado (cf. STJ, AgRg no RHC 25.118-MG, Quinta Turma, Rel. Min. Og Fernandes, j. 09.06.09).
Fundamento da rejeição
Obrigatoriedade do exame de sangue e do bafômetro
Meios probatórios do crime
"§ 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor."
O art. 277 diz:
"Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado."
O § 1º desse mesmo artigo diz: "Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos".
As três formas clássicas de se provar a embriaguez ao volante são: (a) exame de sangue; (b) bafômetro e (c) exame clínico. No novo § 2º o legislador ampliou a possibilidade da prova, falando em outras provas em direito admitidas.
A prova da embriaguez não se restringe mais às clássicas formas. Outras provas em direito admitidas podem ser produzidas, para que sejam constatados os notórios sinais de embriaguez, a excitação ou o torpor apresentado(s) pelo condutor. Por exemplo: prova testemunhal, filmagens, fotos etc.
Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo
Em outras palavras: não está obrigado a ceder sangue, não está obrigado a soprar o bafômetro (porque essas duas provas envolvem o corpo humano do suspeito e porque exigem dele uma postura ativa). Havendo recusa, resta o exame clínico (que é feito geralmente nos Institutos Médico-Legais) ou a prova testemunhal.
O motorista surpreendido, como se vê, pode recusar duas coisas: exame de sangue e bafômetro. Mas não pode recusar o exame clínico. E se houver recusa desse exame? Disso cuida o § 3º (novo) que diz:
"§ 3º [do art. 277] Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo."
A leitura rápida desse dispositivo pode levar o intérprete a equívocos. O texto legal disse mais do que podia dizer. Veremos em seguida. Na prática, alguns delegados estão falando em prisão em flagrante por desobediência (quando houver recusa ao exame de sangue, ao bafômetro ou ao exame clínico). Não é isso, propriamente, o que diz o novo § 3º do art. 277 do CTB. Como se vê, o correto não é falar em desobediência, mas sim nas sanções administrativas do art. 165.
Quando elas incidiriam?
Conclusão
: o § 3º que estamos comentando só tem pertinência em relação ao exame clínico. A recusa ao exame de sangue e ao bafômetro não está sujeita a nenhuma sanção. Quando alguém exercita um direito (direito de não autoincriminação) não pode sofrer qualquer tipo de sanção. O que está autorizado por uma norma não pode estar proibido por outra (nisso reside a essência da teoria da tipicidade conglobante de Zaffaroni, que aproveitamos na nossa teoria constitucionalista do delito).