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Campos dos Goytacazes, Sexta, 19 de Abril de 2024

Cumprimento de Sentença em Ação Declaratória de Revisão de Contrato

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Por Clóvis Fedrizzi Rodrigues


RESUMO: O presente estudo visa analisar a possibilidade de se reconhecer a natureza dúplice da ação declaratória de revisão de contrato, da qual atribui ou nega a cada uma das partes, o direito que lhe caberia na demanda e, se há razão para propositura de novo processo para satisfação do crédito, frente ao princípio da instrumentalidade que suprime formalidades injustificáveis e princípio da celeridade da prestação jurisdicional.

PALAVRAS-CHAVE: Cumprimento de Sentença. Natureza Dúplice. Ação Revisional. Celeridade.

1 Introdução

Persiste, atualmente, divergência jurisprudencial quanto à possibilidade de o réu promover o cumprimento de sentença diante de uma sentença de improcedência em ação declaratória de revisão de contrato ou mesmo que procedente persista crédito em seu favor. Os tribunais, estaduais e regionais, divergem a respeito. Curiosamente, mesmo diante de centenas, senão, milhares decisões já proferidas, não localizamos nenhuma manifestação do Superior Tribunal de Justiça a respeito.

As decisões favoráveis, em regra, baseiam-se no princípio da instrumentalidade que suprime formalidades injustificáveis frente ao princípio da celeridade na prestação jurisdicional o que afastaria a necessidade de reconvenção ou pedido contraposto na defesa. Já as decisões desfavoráveis, sustentam a inexistência de natureza dúplice da ação declaratória de revisão de contrato e, por via de consequência, a inexistência de título executivo judicial.

Neste breve trabalho, sem veleidade alguma de por fim na divergência, nem mesmo de finalizar a reflexão sobre o tema, nos posicionaremos quanto ao descabimento de outorgar natureza dúplice da ação declaratória de revisão de contrato. Isso porque, no sistema processual vigente, não basta à justificativa da instrumentalidade e celeridade processual para atribuir eficácia executiva em caso de existência de crédito em favor do réu quando julgada procedente ou improcedente a ação declaratória revisional de contrato.

2 A Eficácia da Sentença Declaratória em Ação Revisional

Reinou no Brasil, durante décadas, a tradicional classificação trinária das ações: declaração, condenação e constituição. Essa construção foi alicerçada na doutrina alemã de Adolf Wach, ganhando respaldo, repita-se, da maciça doutrina brasileira, tudo com apoio nas lições de Giuseppe Chiovenda.

Contudo, essa orientação ganhou reformulação com Pontes de Miranda, pioneiro na teoria quinaria, à chamada "constante 15", ao classificar as ações e as sentenças de acordo com a eficácia com um dos cinco elementos: declarativo, constitutivo, condenatório, mandamental ou executivo, sempre uma, preponderantemente, com maior força, no conteúdo sentencial. Independentemente das imperfeições que a tese de Pontes de Miranda possa eventualmente apresentar, a verdade é que a classificação quinária foi introduzida em nosso sistema processual vigente, com inegável e reconhecida parcela de contribuição para superação da classificação trinaria.

No sistema processual brasileiro a sentença declaratória, em regra, sempre possuiu eficácia preponderantemente no tocante à declaração da existência ou inexistência da relação jurídica (art. 4º do CPC). Com o advento da Lei nº 11.232/05, nos parece que surgiu duas novas possibilidades de sentença declaratória, uma delas dispensando a necessidade de nova demanda art. 475-N, I, c/c o art. 4º do CPC; pois reconhece a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia, que constituiria diretamente título executivo, possibilitando o cumprimento da sentença, sem necessidade de propositura de nova demanda destinada a obter o título; e outra, que não reconhece a existência de um direito que se esgota em si mesma, sem necessidade de uma nova demanda. Evidentemente, que mesmo essas sentenças, em respeito à teoria de Pontes de Mirando, terão outras eficácias, inclusive de cunho condenatório atinente às custas e aos honorários da sucumbência.

No primeiro caso (art. 475-N, I), a sentença seria ao mesmo tempo preponderante declaratória e mandamental (obrigações de fazer, não fazer e de entregar) ou declaratória e executiva lato sensu (obrigações de pagar quantia certa). No segundo caso (art. 4º), teríamos uma ação preponderantemente declaratória pura, com a ressalva dos honorários advocatícios e das custas cuja eficácia é condenatória.

A ação de revisão de cláusulas contratuais objetiva tutela jurisdicional declaratória, em que se indica novo alcance para as cláusulas do contrato. Eventualmente poderá haver pretensão de anulação de cláusulas inválidas, caso em que o provimento terá natureza constitutiva (negativa). Em nenhum dos casos a sentença forma título condenatório em favor do réu, salvo no tocante as verbas sucumbenciais. Imaginar diferente é alterar de forma profunda o sistema processual, quiçá desrespeitar o devido processo legal.

E concluímos assim, por uma razão muito simples: o réu na sentença declaratória não detém título executivo judicial em seu favor, mesmo que apurado crédito remanescente após a revisão do contrato. Neste caso, detém apenas título executivo extrajudicial. Em outras palavras, deverá promover execução de título extrajudicial, caso não tenha promovido reconvenção ou pedido contraposto. Entendimento contrário é favorecer demasiadamente uma das partes, afastando-se, inclusive, em muitos casos, os efeitos da prescrição e o princípio da inércia da jurisdição.

Assim, é manifesta a impossibilidade jurídica da pretensão executória nesta espécie de sentença declaratória, uma vez que o réu não dispõe de título executivo judicial hábil a possibilitar-lhe o cumprimento de sentença. Não há conteúdo condenatório na sentença que julga o pedido de revisão de contrato, máxime diante da inexistência pedido reconvencional, não se tratando a espécie de ação de natureza dúplice. As ações de natureza dúplices estão expressamente previstas no Código de Processo Civil (v.g., arts. 899, § 2º; 918, e 922).

Essa, a nosso ver, é a melhor interpretação da regra do art. 475-J, caput, do CPC que estabelece: "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação."

Da leitura do dispositivo legal resta claro a necessidade (para execução nos moldes do art. 475-J do CPC), de carga condenatória no título judicial. A sentença de procedência que lastreia o processo revisional incorporará, tão somente, preceito declaratório, no sentido de reconhecer, em favor do autor da demanda, o direito de afastar encargos ilegais ou declarar nulas cláusulas do contrato.

A teor do disposto pelo revogado art. 584, I, e pelo atual art. 475-N, I, do CPC, "a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia". Embora o dispositivo inclua no elenco "pagar quantia" apenas não se restringe às sentenças que imponham pagamento em dinheiro, o texto autoriza o uso desta palavra com relação a sentenças atinentes a quaisquer obrigações, pois a leitura deve ser harmônica com o disposto no art. 475-J, caput, que o limita aos casos de "obrigação por quantia certa". Assim, é forçosa a interpretação que reconhece a possibilidade de o réu realizar o cumprimento de sentença com interpretação isolada do art. 475-N, inciso I.

Portanto, inexistindo, na sentença declaratória comando condenatório, não há, em consequência, título executivo judicial a aparelhar a pretensão executória pela inexistência de natureza dúplice, já que não se presta a outorgar tutela jurisdicional em favor do réu, a quem se assegura, apenas, cumprimento de sentença de sua parte condenatória no tocante aos encargos de sucumbência.

3 Celeridade Processual e Instrumentalidade

A celeridade e instrumentalidade do processo não podem justificar profunda mudança no sistema processual e ofensa ao devido processo legal. A instrumentalidade das formas e a tão sonhada celeridade processual não permitem que se deixem de lado outros valores de superior importância. A ideia por traz do princípio instrumentalidade das formas é afastar excessivo formalismo, quando o procedimento processual possa ficar mais coerente com o sistema jurídico, mas não tem o condão de afastar garantias consagradas na constituição.

Portanto, a instrumentalidade das formas e dos atos do processo decorre da irrelevância dos vícios do ato processual, se o ato atingir o fim a que se achava destinado no processo quando não demonstrado prejuízo em homenagem ao dito princípio da celeridade processual.

Não é recente o discurso, acerca da crise institucional, pelo qual atravessa o sistema jurisdicional de nosso País, entretanto, não se pode divorciar-se dos princípios informativos mais basilares do processo, colocando a instrumentalidade das formas e celeridade processual, em primeiro lugar. Chiovenda dizia que o processo tem o escopo de atuar a vontade concreta da lei. Calamandrei mencionava a observância prática do direito objetivo. Carnelutti, na síntese do seu pensamento mais avançado, enfatizava o nexo mais que instrumental existente entre o direito material e o direito processual. Não se esquecendo de Calmon de Passos quanto à necessidade de que a lei fosse garantida, reintegrada.

Assim, há que respeitar o sistema processual em sua integralidade na busca pela prestação jurisdicional em tempo razoável, mas não devem ser desconsideradas as garantias constitucionais, em deferência à instrumentalidade e celeridade do processo, aliás, esse princípio a nosso ver inexistente, pois, celeridade e tempo razoável (art. 5º, inciso LXXVIII da CF), são absolutamente distintos.

4 O Novo Código de Processo Civil

Tramita no Senado o PL nº 166/2010, nascido de anteprojeto elaborado por uma Comissão de Juristas nomeada pela Presidência do Senado. Entre os Juristas nomeados pelo Senado Federal, se encontram os mais renomados processualistas brasileiros, a saber: Luiz Fux (Presidente da Comissão), Teresa Arruda Alvim Wambier (Relatora da Comissão), Adroaldo Furtado Fabrício, Benedito Cerezzo Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpídio Donizetti Nunes, Humberto Theodoro Júnior, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos Santos Bedaque, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Paulo Cesar Pinheiro Carneiro.

A ideia principal da Comissão de Reforma do Código de Processo Civil foi a simplificação e agilização dos procedimentos, garantindo a duração razoável do processo. Alguns exemplos podemos citar: procedimento bifásico iniciado pela audiência de conciliação, possibilidade de pedido contraposto em contestação, "exceções formais" e demais incidentes, inclusive a "nomeação à autoria", foram transformados em preliminares de contestação, incidente de resolução de demandas repetitivas, etc.

Entretanto, a Emenda nº 221-CTRCPC (Substitutivo), com alterações do Relator Geral, Senador Valter Pereira, que foi assessorado por Athos Gusmão Carneiro, Cássio Scarpinella Bueno, Dorival Pavan e Luiz Henrique Volpe Camargo, modificaram substancialmente as proposições relativas ao procedimento de cumprimento de sentença.

O projeto previa no art. 492 caput: "Além da sentença proferida em ação de cumprimento de obrigação, serão executados de acordo com os artigos previstos neste Capítulo". O inciso I previa: "outras sentenças proferidas no processo civil que reconheçam a existência de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa".

Da leitura da proposição inicial, verificamos que a pretensão era generalizar a possibilidade de execução, ou seja, outras sentenças proferidas no processo civil que reconhece a "existência de obrigação de pagar quantia".

Prevalecendo essa redação no novo código, poderíamos interpretar que uma sentença declaratória poderia se transformar em sentença condenatória contra o autor da ação, caso ficasse reconhecido a sua obrigação de pagar quantia. Entretanto, o substitutivo alterou a proposição estabelecendo a regra no art. 502: "Além da sentença condenatória, serão também objeto de cumprimento, de acordo com os artigos previstos neste Título". O inciso I ficou com a seguinte redação: "as sentenças proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa".

Percebe-se que o substitutivo, mudou a expressão "existência" por "exigibilidade". Ou seja, houve modificação na terminologia a qual acarreta modificação na abrangência do conceito de título executivo. Não basta existir a obrigação de pagar quantia ela terá que ser exigível. E na nova sistemática processual que pretende a reforma, ela só se tornará exigível em caso de realização de pedido contraposto formulado na contestação (art. 326). Neste caso, o legislador conferiu caráter dúplice à sentença.

As regras processuais atuais, portanto, conferidas pelo art. 475-N, inciso I, não existe a possibilidade de formação de título executivo que tenha como beneficiário o réu em uma demanda declaratória de revisão de contrato, salvo no caso de reconvenção, embora sedutor o argumento da economia processual.

5 Considerações Finais

A nosso ver, a sentença de revisão de contrato não tem caráter dúplice. A sentença proferida possui genuinamente carga declaratória ou constitutivo-negativa, uma vez que busca revisar ou desconstituir os efeitos de cláusulas contratuais, redimensionando o pacto celebrado entre as partes. Todavia, por si só, tal decisum não autoriza o credor na qualidade de réu persiga o seu crédito nos autos da revisional, posto que a tutela condenatória não se faz presente no julgado – sobretudo porquanto não houve ajuizamento de reconvenção ou pedido contraposto.

Dessa forma, como corolário lógico, não há como se extrair da decisão um título executivo capaz de dar azo ao cumprimento de sentença em favor do réu da demanda. Valores eventualmente apurados no processo em favor do réu, dada a modificação das cláusulas pactuadas no contrato objeto de ação declaratória que busca revisão de contrato, na inexistência de reconvenção ou pedido contraposto, deverá ser buscada em ação de cobrança, ação monitória ou mesmo execução do título extrajudicial.

Por fim, não se pode justificar celeridade em prejuízo das garantias constitucionais, principalmente porque mecanismo introduzido pela EC nº 45/04, o inciso LXXVIII, ao art. 5º da CF/88, assegura a duração razoável do processo que difere em muito do conceito de celeridade. Por mais que a celeridade processual seja almejada, ela não se justifica quando implica em retirar garantias essenciais do processo. Não se deve fazer ponderações de valores para resolver o problema da morosidade da Justiça sendo absolutamente incabível a redução das garantias constitucionais, bem como subtração do sistema processual, em nome da simplicidade ou celeridade processual.



Informações bibliográficas:
RODRIGUES, Clóvis Fedrizzi. Cumprimento de Sentença em Ação Declaratória de Revisão de Contrato. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 13 dez. 2011. Disponível em:
<http://www.editoramagister.com/doutrina_ler.php?id=1146>. Acesso em: 13 dez. 2011.

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