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Campos dos Goytacazes, Terça, 23 de Abril de 2024

O Alemão e o complexo de ilegalidades

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Por Tiago Abud da Fonseca


Tiago Abud da Fonseca[i]

O mundo assiste desde o fim de novembro último o confronto entre traficantes e a força estatal no Complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro.

 Não se tem a pretensão de defender ou repudiar a política bélica do enfrentamento adotada pelo Governo Estadual.

Contudo, tal momento tem sido pródigo em exemplos que configuram atentados contra o estado democrático de direito e que podem no futuro fazer o Estado brasileiro descambar para os braços de regime autoritário.

A Constituição da República prevê em momentos de anormalidade da vida democrática a possibilidade do Presidente da República, como forma de defender o Estado e as instituições, de decretar estado de defesa e o estado de sítio.

Em tais situações, excepcionais e temporárias, podem ser restringidos direitos fundamentais, como expressamente prevê a Constituição da República. Fora destas hipóteses, o rol de direitos fundamentais deve ser respeitado por todos, inclusive e principalmente, pelo Estado. Não pode, em nome do combate ao crime, o próprio Estado se arvorar no direito de praticar tais ilegalidades.

A batalha do Alemão deixou um rastro de violações a direitos fundamentais que precisam ser observados de perto e coibidos.

Tem sido prática comum a violação de domicílios de moradores da comunidade em busca de material ilícito. A casa, seja de rico ou de pobre, é asilo inviolável, sendo lícito ao Estado somente violar tal regra com a permissão do morador ou nos demais casos autorizados pela Carta Magna, quais sejam, hipótese de flagrante delito, para prestar socorro ou em caso de desastre e, por fim, para cumprimento de ordem judicial durante o dia.

Fora da previsão constitucional, tudo o mais é arbítrio, que se agrava quando moradores são agredidos ou furtados.

Sem aquelas situações excepcionais narradas acima, as Forças Armadas não podem ingressar na comunidade para exercer função que não lhes são afetas, já que não compõem as forças de segurança pública, cujo rol se encontra no artigo 144 da Constituição Republicana de 1988.

A Folha de São Paulo veiculou na edição de 05 de novembro uma reportagem onde contabiliza trinta e cinco mortos na invasão policial ao Complexo do Alemão. A despeito do óbito, não se sabe até hoje em que circunstâncias essas pessoas morreram e quem as matou. Se tais mortes ocorressem na Zona Sul, será que o silêncio seria o mesmo? E a população, neste último caso, aplaudiria ou criticaria a ação policial?

Por fim, mas não menos importante, resta comentar o discurso oficial, no sentido tentar restringir o contato entre presos e seus defensores, já que estes últimos seriam os pombos da discórdia, uma vez que transmitiram a ordem para os ataques no Rio de Janeiro. Sem julgamentos antecipados, eventual erro de um não pode conduzir a violência a toda uma classe. Além disso, não é possível no estado democrático de direito a incomunicabilidade do preso. Tal discurso, em verdade, acaba por escamotear uma corrupção endêmica no sistema penitenciário, que, infelizmente, também existe nas polícias.

Qualquer restrição ao direito de defesa é uma tentativa de golpe ao estado de direito. Estes são alguns dos fatos que envolvem a invasão policial ao Complexo do Alemão e que precisam ficar claros, não se perdendo no obscurantismo dos discursos.

 

 



[i] Tiago Abud da Fonseca é Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro.


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