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Por Carlos André Studart Pereira
Cansado de presenciar tantos equívocos, notadamente, em audiências e peças processuais, resolvi elaborar o presente texto, na humilde tentativa de elucidar uma questão tão corriqueira.
Quem nunca ouviu alguém utilizar inadequadamente o pronome possessivo vosso, com pessoas que recebem o pronome de tratamento Vossa Excelência?
Inúmeras foram as vezes em que ouvi advogado, em audiência da Justiça do Trabalho (que, apesar de se dizer informal, resiste em adotar o sistema cross examination), antes de formular pergunta às testemunhas, dizer: Excelência, gostaria de saber da testemunha, por vosso intermédio [...]. Lamento dizer, mas isso não está gramaticalmente correto.
Que, de logo, fique claro: Vossa Excelência é uma pessoa singular!
Para quem ainda duvida disso, segue trecho extraído do Manual de Redação da Presidência da República, que traz uma explicação bem singela e pedagógica sobre o tema:
Os pronomes de tratamento (ou de segunda pessoa indireta) apresentam certas peculiaridades quanto à concordância verbal, nominal e pronominal.
Embora se refiram à segunda pessoa gramatical (à pessoa com quem se fala, ou a quem se dirige a comunicação), levam a concordância para a terceira pessoa.
É que o verbo concorda com o substantivo que integra a locução como seu núcleo sintático: Vossa Senhoria nomeará o substituto; Vossa Excelência conhece o assunto.
Da mesma forma, os pronomes possessivos referidos a pronomes de tratamento são sempre os da terceira pessoa: Vossa Senhoria nomeará seu substituto (e não Vossa ... vosso...).
Assim, no caso referido inicialmente, o correto é dizer: por seu intermédio. Se se considerar que isso soa de forma desrespeitosa, que então digam: por intermédio de Vossa Excelência. Mas que paremos de usar o pronome vosso/vossa de maneira inadequada.
Certo é que muitos que já frequentaram algum culto religioso (notadamente cristão) podem ter observado que, nos ritos litúrgicos, em orações, utiliza-se o referido pronome, quando se está se dirigindo a uma Divindade individualmente considerada. E aí?
Ora, de fato, os cristãos fazem isso quando dialogam com Deus, porque, consoante a doutrina da Santíssima Trindade, Ele se revela em três pessoas distintas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Como já dizia Renato Russo, em sua composição Índios, quem me dera ao menos uma vez entender como um só Deus
ao mesmo tempo é três[1]. É, portanto, uma Pessoal Plural, e, por isso, deve-se utilizar o pronome vosso/vossa.
No entanto, quando nos dirigirmos a alguém que mereça o tratamento de Vossa Excelência, Vossa Senhoria etc, o pronome possessivo adequado é seu/sua (referente à terceira pessoa do singular).
[1] Antes que apontem erro na concordância, oportuno registrar que a letra traz o verbo no singular mesmo (é, no lugar de são). Mas o compositor tem licença poética para tanto.
Publicado no site: www.conjur.com.br/2011-mar-30/pronome-vossa-excelencia-mantem-concordancia-terceira-pessoa