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JUROS ABUSIVOS EM CONTRATO DE FINANCIAMENTO:COMO IDENTIFICÁ-LOS.

13/03/2019
Por Maycon Barreto Lopes


 

Advogado e pesquisador. Membro da Comissão de Produção Científica e Literária da 12ª Subseção da OAB/RJ. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Fluminense e bacharel em Ciências da Computação pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário Fluminense e pós-graduado em Análise e Gerência de Sistemas de Informação pelo Instituto Federal Fluminense.

INTRODUÇÃO

Na prática forense, tem sido bastante comum o ajuizamento de ações requerendo a revisão de um contrato de financiamento firmado com alguma instituição financeira, normalmente um banco, sob alegação de juros abusivos.

Nestes casos, há um contrato de crédito direto ao consumidor, denominado CDC, ou algum outro contrato assemelhado, cujo objetivo é empréstimo de certa quantia em dinheiro, sob a condição de devolução com acréscimo de juros mensais, durante um determinado período de tempo. Tecnicamente falando, trata-se de um contrato de mútuo feneratício.

Recebe este nome, pois o termo “feneratício” vem do latim, feneratitius, que significa usura, empréstimo de dinheiro a juros[1].

Por sua vez, os juros são um fruto civil. Eles são a “remuneração devida ao credor em virtude da utilização do seu capital”[2].

Assim, não há, de antemão, qualquer ilegalidade no empréstimo de dinheiro a juros, desde que sejam respeitados certos parâmetros fixados pelo ordenamento jurídico. E é normalmente aqui que começam as confusões.

A LEI DA USURA E UM BREVE HISTÓRICO LEGAL DA TAXA DE JUROS NO BRASIL

Em 1933, foi editado o Decreto-Lei 22.626 que ficou nacionalmente conhecido como “Lei da Usura”, uma vez que, dentre outras providências, trata essencialmente de juros nos contratos[3]; e, embora perto de completar oitenta e seis anos de existência, este Decreto-Lei vigora até os dias de hoje.

Logo em seu primeiro artigo, traz a previsão de que não se pode estipular taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal, seja qual for o contrato:

Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1062).

(...)

Na prática, essa previsão legal limitaria a taxa de juros anuais a um máximo de 12%.

Até mesmo a Constituição Federal de 1988, originalmente, trouxera previsão quanto ao tema, noticiando em seu artigo 192, parágrafo 3º, que seria tipificado como crime de usura instituir taxas de juros reais acima de 12% ao ano[4]. Contudo, tal previsão foi revogada em 2003, por meio da Emenda Constitucional nº 40, de forma que o limite de juros a um máximo de 12% ao ano não possui mais previsão constitucional, mas apenas previsão infra-constitucional, na forma da já citada Lei da Usura (Decreto-Lei 22.626).

Apesar de todas essas questões, as instituições financeiras, no que se incluem os bancos, nunca estiveram realmente submetidas a este limite legal para as taxas de juros, sendo muito comum observar nos casos concretos taxas anuais muito acima dos citados 12%.

A bem da verdade, o próprio Supremo Tribunal Federal consolidou sua jurisprudência no sentido de excluir as instituições que integram o sistema financeiro nacional desse limite de juros anuais a 12%[5].

Portanto, pode-se concluir com firmeza que a chamada Lei da Usura, no que se refere ao limite anual para taxas de juros, não tem aplicabilidade sobre as instituições financeiras, razão pela qual é lícito que estas fixem taxas de juros acima de 12% ao ano em suas operações de crédito.

PARÂMETROS PARA FIXAÇÃO DOS JUROS POR INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

Afirmar que as instituições financeiras não estão submetidas ao limite de juros anuais de 12%, não é o mesmo que dizer que tais instituições não possuem qualquer limite na fixação de suas taxas de juros.

Deve-se ter em mente que o empréstimo de dinheiro a juros, por bancos e outras instituições financeiras, normalmente configura uma relação de consumo, aplicando-se ao caso as regras de proteção ao consumidor. Mas, ainda que assim não fosse, forçoso seria reconhecer a necessidade de parâmetros que garantissem uma negociação saudável, evitando-se a prática abusiva de juros.

E de fato, existem tais parâmetros: as taxas médias de juros segundo o praticado no mercado nacional.

O próprio mercado financeiro nacional é quem se encarrega de fixar as taxas médias de juros para os contratos de mútuo feneratício, por meio de regulação e acompanhamento do Banco Central do Brasil, o BACEN.

Qualquer cidadão pode verificar se os juros que contratou junto à financeira está ou não dentro dos limites mercadológicos e, uma vez constatado que a taxa está muito acima do que é cobrado em média pelo mercado, restará configurada a abusividade, o que certamente trará consequências jurídicas, como a possibilidade de o consumidor cobrar pela diferença paga a maior.

E é justamente para dar transparência a esses parâmetros de mercado que o BACEN disponibiliza em sua página eletrônica um relatório de taxa de juros[6], no qual a pessoa física (ou jurídica) pode verificar, dentre outras, as taxas médias cobradas por diversas instituições financeiras para aquisição de veículos, cartão de crédito, cheque especial, crédito consignado, financiamento imobiliário etc, tudo na forma de uma planilha simples e prática.

Em suma, o consumidor consciente pode facilmente verificar se a taxa de juros cobrada em seu contrato está dentro da expectativa média do mercado, comparando-se com os dados fornecidos pelo BACEN. Caso haja discrepância, possivelmente será caso de taxas abusivas, o que poderá dar azo a litígios judiciais.

CUSTO EFETIVO TOTAL

É pertinente, neste momento, estabelecer diferenças entre a taxa de juros cobrada pela instituição financeira contratada e o chamado custo efetivo total (denominado CET), que também é apresentado em forma de porcentagem no contrato e, não raras vezes, gera confusão a ponto de haver ajuizamento de ações com pedidos fadados à improcedência, pois baseados em uma premissa equivocada.

Segundo o BACEN, o CET “é a taxa que considera todos os encargos e despesas incidentes nas operações de crédito e de arrendamento mercantil financeiro, contratadas ou ofertadas a pessoas físicas, microempresas ou empresas de pequeno porte”[7].

É que o CET, como se supõe do nome por extenso, contém o custo total do serviço de empréstimo/financiamento, incluindo tarifas administrativas do banco, outros serviços, impostos etc, de forma que seu percentual será sempre superior a taxa de juros efetivamente cobrada, razão pela qual é errado usar o CET como premissa para se verificar no caso concreto a abusividade do juros.

Em outras palavras, deve-se ter cuidado para não confundir os juros cobrados pela instituição financeira em questão com o custo efetivo total da operação. Na prática, o consumidor vai pagar o CET, que inclui a taxa de juros e outros custos, mas para verificar se há abusividade ou não nos juros contratados, deve-se considerar a taxa de juros efetivamente cobrada pela instituição, não o CET; ambos vêm discriminados no contrato, em forma de porcentagem.

Uma outra questão relevante sobre o custo efetivo total é um alerta do próprio BACEN, que também serve para ilustrar a diferença entre a taxa de juros contratada e o CET:

ao compararmos operações de crédito ofertadas por duas instituições financeiras, aquela que apresenta uma taxa de juros mais baixa pode não ser a mais vantajosa para o consumidor, quando considerados todos os outros custos envolvidos”[8].

Por fim, não é demais informar que o CET foi criado com objetivo de deixar mais transparentes os contratos de empréstimos e financiamentos. Trata-se de uma imposição feita às instituições financeiras, por meio da resolução 3.517/2008 de Conselho Monetário Nacional (CMN), que determinou a obrigatoriedade de se informar o custo total da operação em todos os contratos de crédito a partir de 03/03/2008[9].

CONCLUSÃO

O mútuo feneratício é espécie de contrato que, mesmo não sendo popularmente conhecido por este nome, é hodiernamente comum no mercado brasileiro, sobremaneira na forma de contratos de crédito, empréstimos e financiamentos.

Embora haja previsão legal determinando que a taxa de juros não pode ultrapassar, em porcentagem, ao duocécimo anual (12% a.a.), as instituições financeiras, tais como os bancos, não estão atadas a esta previsão legal, podendo estipular taxas superiores.

Na fixação das taxas de juros pelas instituições financeiras, quando da contratação de empréstimos ou financiamentos, devem ser observados os juros regularmente cobrados pelo mercado, a fim de se evitar taxas abusivas, sendo certo que o Banco Central do Brasil disponibiliza em seu site relatórios contendo as taxas médias do mercado, que acabam funcionando como balizas na verificação de eventual abusividade.

O custo efetivo total (CET) não serve de parâmetro para verificação, no caso concreto, se há ou não uma conduta abusiva da instituição financeira, devendo, para tanto, ser utilizada a taxa de juros efetivamente contratada.



[1]     VALBUENA, Don Manuel de. Dicionario universal latino-español. 3ª ed. Madrid: Imprenta Real, 1987. p. 294. Disponível em https://books.google.com.br/books?id=6iUMoTABZQMC&pg=PA294&lpg=PA294&dq=FENERATITIUS&source=bl&ots=UyXjysrGui&sig=ACfU3U3Qy00VwexizK9cC0z5NU6YqHEUOA&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwi967PA_t7gAhXnGbkGHfMfCVEQ6AEwBXoECAUQAQ#v=onepage&q&f=false. Acessado em 28/02/2019.

[2]     GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolpho. Novo curso de direito civil, volume 4: tomo II: contratos em espécie. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[3]     BRASIL. Decreto Lei nº 22.626, de 7 de abril de 1933. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D22626.htm. Acessado em 28/02/2019.

[4]     BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 192, §3º (atualmente revogado): As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acessado em 01/03/2019.

[5]     SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Aplicação das súmulas do STF. Súmula 596: As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2017. Acessado em 01/03/2019.

[6]     BANCO CENTRAL DO BRASIL. Estatísticas > Taxas de Juros. Disponível em https://www.bcb.gov.br/estatisticas/txjuros. Acessado em 01/03/2019.

[7]     Idem. FAQ - Custo Efetivo Total (CET). Disponível em https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/legado?url=https:%2F%2Fwww.bcb.gov.br%2Fpre%2Fbc_atende%2Fport%2Fcusto.asp. Acessado em 01/03/2019.

[8]     Idem.

[9]     Idem.RESOLUÇÃO Nº 3.517. Art. 1º As instituições financeiras e as sociedades de arrendamento mercantil, previamente à contratação de operações de crédito e de arrendamento mercantil financeiro com pessoas naturais e com microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, devem informar o custo total da operação, expresso na forma de taxa percentual anual, calculada de acordo com a fórmula constante do anexo a esta resolução.§ 1º O custo total da operação mencionado no caput será denominado Custo Efetivo Total (CET). (…) Art. 6º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 3 de março de 2008. Disponível em https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/Attachments/48005/Res_3517_v1_O.pdf. Acessado em 01/03/2019.

 

*Maycon Barreto Lopes. Advogado e pesquisador. Membro da Comissão de Produção Científica e Literária da 12ª Subseção da OAB/RJ. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Fluminense e bacharel em Ciências da Computação pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário Fluminense e pós-graduado em Análise e Gerência de Sistemas de Informação pelo Instituto Federal Fluminense.


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