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Polícia Municipal?

03/06/2009
Por DR. JOSE CARLOS TÓRTIMA


José Carlos Tórtima*

Não estranhe o título, caro leitor, pois é disso mesmo que se trata. Pode a autoridade municipal designá-la como bem entender, mas qualquer força utilizada pelo poder público em missões policiais, outra coisa não é senão polícia, mesmo que ainda não esteja formalmente criada como tal. É exatamente o que está acontecendo no município do Rio de Janeiro, a partir da iniciativa da Prefeitura de ampliar o espectro de atuação da Guarda Municipal, para lançá-la no combate aos delitos menores, e que poderiam ser enfrentados com o emprego de armas não letais, como é exemplo a ação dos punguistas na orla marítima.

A ideia seria propiciar uma redução na sobrecarga da PM, hoje envolvida numa infinidade de ocorrências de pequena monta, e que a desviam dos casos mais graves, onde sua presença é dramaticamente necessária, como nos chamados sequestros-relâmpago, um flagelo em quase todas as capitais.

Do ponto de vista operacional da segurança pública, a ideia tem inegáveis virtudes e parece vocacionada a trazer excelente colaboração na espinhosa tarefa de policiamento ostensivo numa cidade com tão elevados índices de criminalidade violenta. Esta contribuição dos agentes municipais poderia ir além de simplesmente liberar a PM para tarefas mais importantes e complexas do que a de desapartar brigas de rua ou deter batedores de carteiras. Mais do que isso, a eventual presença de centenas de agentes municipais nas ruas, em contato por rádio com a Polícia Militar, ampliaria notavelmente a rede de vigilância sobre a atividade criminosa que é o ponto de partida para um bem-sucedido planejamento de policiamento ostensivo. Logo, se a transformação da Guarda Municipal em mais uma força policial dependesse apenas da boa vontade do prefeito em colaborar no esforço de dar mais segurança aos cariocas, estaríamos no melhor dos mundos.

Só que, infelizmente, não é bem assim. A Constituição Federal, no seu artigo 144, apresenta um rol exaustivo das instituições que devem, na esfera das respectivas atribuições, atuar na segurança pública. Entre estas, entretanto, não se encontram as guardas municipais, para as quais foi reservado, no parágrafo 8º do mesmo dispositivo constitucional, o restrito papel de "proteção do patrimônio, bens e serviços" dos respectivos municípios. Logo, não há dúvida de que o aproveitamento do efetivo da Guarda Municipal, em atividade típica de polícia, mesmo sem o uso de armas mortíferas, fere, sim, e diretamente, a Constituição.

Mas o problema vai além. O uso dessas armas, ditas não letais, como os equipamentos que disparam balas de borracha, os transmissores de descargas elétricas paralisantes e o gás de pimenta, não são engenhos tão inofensivos assim. Balas de borracha podem cegar e, mais raramente, até matar, como já ocorreu. Já os choques paralisantes também podem ser fatais para indivíduos cardíacos e o gás de pimenta é capaz de provocar reações alérgicas com sérias consequências. O próprio cassetete, usado inadequadamente, ou com destempero, pode ferir gravemente a vítima. Enfim, tais instrumentos, embora produzidos para não terem consequênicias fatais, só deveriam ser manejadas por quem disponha de um adequado treinamento técnico e impecável preparo psicológico, condições, de resto, indispensáveis à atividade policial em todos os seus aspectos. E este aprimoramento só é possível obter numa academia de polícia, algo de que não dispõe a guarda municipal, que sequer conta com instalações minimamente adequadas para reunir seus contingentes.

Portanto, nada contra a criação de uma polícia municipal, que já existe em outros países, com bons resultados. Mas será preciso, antes de mais nada, promover a necessária emenda constitucional que recepcione a sua instituição por lei. E, também, dotá-la de satisfatórias condições materiais e de treinamento para a relevante, e difícil, missão que irá desempenhar.

*José Carlos Tórtima é presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro.

Artigo publicado no Jornal do Brasil, 2 de junho de 2009.

Atualizado por: Edmar Soares Filho


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