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Campos dos Goytacazes, Sábado, 20 de Abril de 2024

Em entrevista, Wadih critica atuação do STF e cobra mais desempenho do CNJ


26/01/2009 11h37

Do Jornal do Commercio

26/01/2009 - Wadih Damous, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção do Rio de Janeiro, vem defendendo algumas teses muito polêmicas, como, por exemplo, mudar as nomenclaturas "ministro" e "desembargador" para somente "magistrado", além de cobrar um desempenho efetivo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele também já manifestou apoio ao projeto do deputado Flávio Dino (PC do B-MA), que será apresentado em fevereiro e propõe que o Supremo Tribunal Federal (STF) se transforme numa Corte Constitucional.

Damous argumenta que o STF, muitas vezes, funciona como uma espécie de terceira instância, julgando até ação de despejo. Ele defende um debate em torno desse projeto, de forma ampla e produtiva, no sentido de amenizar o que considera "o exacerbado ativismo judicial em voga, que interfere de forma indevida na esfera política".

O presidente da OAB-RJ ressalta que a morosidade da Justiça acontece em todos os países. No caso brasileiro, ocorre por alguns fatores, como, por exemplo, a falta de pessoal, gestores, e as más instalações dos prédios do Poder Judiciário, sobretudo nos de primeira instância. Também se manifesta sobre o excesso de medidas provisórias, afirmando que nenhum governante do Estado contemporâneo pode prescindir de instrumentos legislativos ágeis, que lhe permitam enfrentar situações de urgência com presteza.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Fala-se muito que a Justiça é lenta, mas nada tem sido feito para mudar essa situação. Como o senhor analisa isso?

O fenômeno da morosidade do Poder Judiciário é universal. Onde quer que você vá, a queixa dos cidadãos, de quem milita na Justiça é essa. A principal queixa diz respeito à morosidade. Agora, as medidas para, pelo menos, minimizar essa morosidade é que, muitas vezes, não são adotadas como deveriam ser. No Brasil, criou-se um órgão, o Conselho Nacional de Justiça, que também deveria ser responsável pelo planejamento estratégico do Poder Judiciário, que deveria, com os dados que tem a obrigação de recolher acerca do funcionamento da Justiça, propor medidas de racionalidade, medidas de eficiência. No entanto, até agora, o Conselho Nacional de Justiça não tem cumprido, como se esperava, esse papel. Nós estamos aguardando.

Por quê?

Essa questão da morosidade abrange uma série de fatores: a falta de pessoal, gestores, em termos de quantidade e qualidade - até juízes -, as más instalações de prédios do Poder Judiciário, sobretudo nos da primeira instância. O Poder Judiciário parece uma empreiteira, todo dia constrói um prédio novo e luxuoso, mas para os tribunais superiores, para os tribunais de justiça, enquanto na Justiça de primeira instância, que é aquela frequentada pelo povo, pela população, essas instalações são absolutamente precárias. Existe, sim, a necessidade de um amplo rol de medidas, mas que precisam ser adotadas de forma racional, a partir de um órgão de centralização, que deveria ser o Conselho Nacional de Justiça.

Por que o senhor insiste em defender a transformação do STF em Corte Constitucional?

O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda funciona, muitas vezes, como uma ponte de terceira instância. E não é esse o desenho que se quer para uma corte suprema. O meu ponto de vista, e essa não é uma discussão nova no Brasil, é que, desde a Constituinte, já se preconizava isso. Essa PEC (Projeto de Emenda Constitucional) foi derrotada na Constituinte, ou seja, o Brasil, a exemplo de outros países, deveria ter um tribunal constitucional exclusivo, que só apreciasse matérias que sejam decorrentes de violação à Constituição, que sejam matérias constitucionais. E isso traria um novo desenho para o Poder Judiciário brasileiro, uma série de questões políticas que são tratadas de uma forma, a meu ver, pouco condizente pelo Supremo Tribunal Federal, teria melhor tratamento com uma corte constitucional exclusiva. Espero que a discussão, se vier a ser travada, sobre a criação desse tribunal constitucional exclusivo, seja aproveitada também para pôr em pauta uma maior democratização do Poder Judiciário.

Mas como funcionaria essa corte constitucional? Os desembargadores, juízes, teriam um mandato?

- Essa liturgia de desembargador é outro aspecto que eu também defendo: o Poder Judiciário brasileiro ainda tem traços de aristocratismo. Esquece-se que a monarquia foi abolida no Brasil. Há muito tempo, nós já vivemos em um país republicano. O Brasil é o único país do mundo em que existe uma hierarquia de títulos, como na época da nobreza, no seu Poder Judiciário. Essas designações, "desembargador", "ministro", são absolutamente inapropriadas, são antidemocráticas, geram afastamento. Todos são juízes e devem ser tratados como juízes.

Mas por que estabelecer mandato?

O Tribunal Constitucional deveria ser composto por membros com mandato. O prazo dele é uma questão a ser discutida, mas deveria ser com mandato, sem direito a recondução. Deveriam ficar o tempo necessário para que também haja uma estabilidade para os membros. Mas deveria funcionar com mandato para que também se permita, ao mesmo tempo em que se presta atenção na estabilidade dos pronunciamentos, a oxigenação. Muitas vezes esse é um problema da vitaliciedade no Poder Judiciário, em particular, no Supremo. A jurisprudência e o conjunto das decisões acabam ficando congelados no tempo e, muitas vezes, a sociedade já mudou, os princípios já mudaram, os valores já mudaram, e aquelas decisões remetem a uma realidade que já foi superada.

Voltando à lentidão, o que mudaria quanto a esse aspecto?

Seria uma corte em que não haveria tantos processos assim, ao ponto de o STF julgar até ação de despejo. Até porque seria uma Corte de única instância, não haveria a possibilidade de recurso para outro tribunal, porque existiria um tribunal único, um tribunal exclusivo, um tribunal constitucional, com causas que vão envolver, na verdade, discussões sobre matéria constitucional. Às vezes, não haverá nem partes com interesses concretos, mas discussão de teses. Teses essas que, firmadas pelo Tribunal Constitucional, irão repercutir nas instâncias inferiores, nos tribunais, nas varas. A partir de um pronunciamento definitivo desse órgão, aquela matéria fica superada nas outras instâncias. Isso vai contribuir, inclusive, para amenizar a morosidade do restante do Poder Judiciário.

Como o senhor vê a concessão de habeas corpus pelo STF?

Eu acho que não deve existir preconceito em relação a isso. Todo cidadão tem direito à ampla defesa, todo cidadão tem direito a se defender na Justiça, colocar seus pontos de vista, colocar suas razões. Nós não devemos selecionar pessoas suspeitas, pessoas não suspeitas. Eu acho apenas que o Supremo julgaria os processos do Tribunal Constitucional. Não deveria estar encarregado do julgamento desses casos penais, concretos. Isso aí deveria ser da alçada do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O mérito das decisões do Supremo nós não vamos comentar. O ministro Gilmar Mendes entendeu que deveria soltar esse cidadão (Marcos Valério, envolvido também no esquema do mensalão) que estava preso, ele tem as suas razões e pronto.

Como fica o brasileiro leigo, que acompanha casos e mais casos de corrupção sem que sejam punidos os acusados?

Primeiramente, os casos de corrupção têm que ser devidamente comprovados. Existe uma tendência, aqui no Brasil, em duas áreas sensíveis da sociedade brasileira, que são a criminalidade urbana e a questão da corrupção, muito grande a pré-julgamentos. A pessoa acusada de praticar corrupção é automaticamente condenada pela opinião pública, pela sociedade e por boa parte da mídia, sem qualquer espera pelo julgamento do processo. Já tivemos casos concretos nesse sentido: o caso das bicicletas, por exemplo, lá do Ministério da Saúde, em que um homem público (Alcenir Guerra, hoje deputado federal) foi pré-condenado, com seríssimos prejuízos à sua reputação, à sua carreira política, que teve que ser encerrada, e, mais à frente, se viu que ele era inocente. É preciso que se tome muito cuidado com isso.

Quando o ministro Gilmar Mendes sustentou tecnicamente a necessidade de libertar os acusados na operação Satiagraha (que levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o investidor Nagi Nahas), o senhor afirmou que um magistrado não deve temer a opinião pública.

Eu concordei plenamente com essa decisão do presidente do STF. A questão era se poderiam ser processados, uma decisão que caberia ao Judiciário tomar, com serenidade.

Mas quando o ministro afirmou que a discussão dos crimes de tortura provocou instabilidade institucional, o senhor, na época, afirmou que ele estava usando pesos e medidas diferentes.

Sim, porque o meu sentimento era o de que ele não deveria temer a opinião de ex-torturadores e de alguns militares.

Qual deveria ser a discussão naquele momento?

Como vivemos em um Estado Democrático de Direito, onde não existe espaço para receios, a OAB, que presido no Rio de Janeiro, estimula uma discussão sadia, entendendo que aqueles que torturaram praticaram crime comum, imprescritível, e não político. Na minha opinião, faltava fundamento jurídico e também moral na alegação de que todos se beneficiaram com a anistia. Quando se veem com a possibilidade de pagar por seus crimes, os ex-torturadores reagem de forma barulhenta, exibindo caras feias. Só que a sociedade e a democracia não têm mais por que receá-los. E, em situações como essa, cabe ao Judiciário responder com toda a soberania que lhe compete.

Até mesmo magistrados reclamam que o STF não demonstra ser independente do Executivo. O senhor concorda com isso?

Isso ocorre pela forma que os ministros dos tribunais superiores são escolhidos, principalmente no STF, que é um modelo muito parecido com o americano, porque cabe ao presidente escolher seus membros. A grande diferença entre o modelo brasileiro e o americano é que lá existe uma sabatina, a que é submetido o candidato a ocupar um lugar na Corte Suprema. Alguns não são aprovados na avaliação de toda sua trajetória de vida.

Por que no Brasil não acontece o mesmo?

Simplesmente porque basta a escolha do presidente da República, o que eu acho que deve continuar, mas também deve haver uma sabatina do Congresso, com o candidato abordando temas de interesse de toda a sociedade.

Por que os crimes de colarinho branco raramente são punidos?

Efetivamente o Brasil é um país em que a corrupção de colarinho branco é uma mazela, e isso é muito grave em um país de tantas carências sociais, em que recursos públicos são desviados por particulares em detrimento de investimentos na saúde, na educação, no saneamento básico. O Brasil tem um déficit para com sua sociedade em relação a esses casos de corrupção.

E quanto ao excesso de medidas provisórias?

Nenhum governante de Estado contemporâneo pode prescindir de instrumentos legislativos ágeis, que lhe permitam enfrentar situações de urgência com presteza. Situações que, se permanecerem, podem trazer sérios prejuízos à sociedade, ao Estado e à nação. Isso é muito comum em qualquer país do mundo. O problema das medidas provisórias, aqui no Brasil, é que a Carta de 1988, no sentido de superar aquele quadro tão indesejado, que era o dos decretos-leis, acabou por não regulamentar, de uma forma mais rigorosa, as hipóteses de edição das medidas provisórias. Posteriormente houve uma emenda constitucional que trouxe essa regulamentação, mas ela ainda se mostra insuficiente para impedir o abuso na edição das medidas provisórias. Agora, nós não podemos jogar água suja fora com a criança dentro da bacia. Alguns preconizam o fim das medidas provisórias. Eu não me incluo entre eles. As medidas provisórias são necessárias para a governabilidade do País. Há, de fato, que se concluir essa regulamentação no sentido de se evitar ou amenizar os abusos na edição dessas medidas.

Como o senhor vê a decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, em dar o status de refugiado ao terrorista italiano Cesare Battisti?

Isso é uma questão muito polêmica. Eu acho que essas afirmações peremptórias pecam por serem extremadas. Trata-se de um foragido político, isso tem que ficar claro, não é um criminoso comum, e o Brasil tem uma tradição de conceder asilo. Não vejo na decisão do governo brasileiro algo que escandalize. É uma tradição brasileira conceder asilo, e o ministro da Justiça, avaliando os autos do processo e o histórico do caso, entendeu que deveria conceder o asilo. Isso é um ato soberano do Estado brasileiro e que pode ser criticado porque vivemos em uma democracia, mas não deve ser tratado de uma forma escandalosa a ponto de a Itália até ameaçar romper relações com o Brasil por causa de um episódio como esse. Trata-se de uma apreciação do ministro da Justiça e de uma decisão soberana do Estado brasileiro.

Qual é o conceito que o senhor faz da atual Constituição?

A atual Constituição é democrática. Em muitos dos seus aspectos não foi cumprida por força, exatamente, das condições sociais do País. Principalmente os setores mais empobrecidos da população têm seus direitos constitucionais desrespeitados exatamente pelo fato da sua condição social precária. Nós temos uma belíssima Carta Constitucional, mas que ainda carece de efetividade por conta das condições sociais e econômicas do País.

Vinte anos depois, a Constituição é considerada por alguns juristas como um relatório cheio de boas intenções, mas que não passa disso...

A Constituição é um conjunto de princípios e programas. Se não houver vontade política, se não houver condições para o seu cumprimento, acaba se tornando apenas uma folha de papel. Então, nós temos que exigir o cumprimento da Constituição.

Agora, fala-se numa nova Constituinte. Faz sentido isso?

Não sei. Eu acho que deveria ficar claro para que uma nova Constituinte, quem está preconizando a nova Constituinte e com que objetivo. Nesse momento, eu não vejo necessidade de uma nova Constituinte, eu vejo necessidade de cumprimento da atual Constituição.



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