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Gilson Dipp: 'Corrupção entre juiz surpreende'


05/01/2009 13h56

Fonte: Do jornal O Globo

05/01/2009 - O ministro Gilson Dipp, assim como parte dos brasileiros, se diz decepcionado e envergonhado com os casos de corrupção entre juízes. Mas algo o diferencia dos demais brasileiros: desde setembro, ele é o titular da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - órgão com competência para investigar e punir desvios de conduta dos magistrados. O ministro diz que não terá constrangimento em condenar colegas, se for preciso. Além de levantar a bandeira pelo fim da corrupção entre juízes, Dipp defende que a categoria tenha compostura. Para ele, brigas públicas - como a do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, com o juiz Fausto De Sanctis, na Operação Satiagraha - expõem e fragilizam o Judiciário. "Juiz nenhum tem que criticar a decisão de outro", afirma. Confira abaixo a entrevista com Gilson Dipp. Constantemente surgem juízes investigados por corrupção, como no Espírito Santo. Esses fatos o impressionam? Claro. Se impressionam o cidadão comum, que vai em busca do Judiciário para ver seus litígios atendidos, imagine como esses casos de corrupção chocam e surpreendem alguém que está na magistratura. É muito duro para todos nós, que processamos e julgamos membros do Judiciário, do qual fazemos parte. Isso nos deixa com um certo constrangimento. Mas esse constrangimento não vai abalar convicções, nem minhas nem do conselho, para apurar, processar e ser muito justo na aplicação ou não de qualquer penalidade Os juízes ficam constrangidos em punir colegas? Não. O constrangimento que a gente tem é saber que o magistrado está praticando atos contra os quais deveria ser o maior guardião. Atos que podiam ser julgados por eles estão sendo praticados por eles. Eu não tenho constrangimento (para investigar juízes). Sou relator de um processo administrativo contra um colega do STJ (Paulo Medina). Isso não me inibe nenhuma ação, mas fico de certa maneira decepcionado com casos que são pontuais em termos de gravidade, mas que infelizmente são públicos e notórios. Na opinião do senhor, por que existem casos de corrupção entre magistrados? Evidentemente, são falhas de caráter. O ser humano, em todas as áreas, está sujeito às tentações que a oportunidade se lhe põe. Na sua opinião, existe alguma forma de evitar a corrupção entre os magistrados? Nenhuma. Seria absurdo fazer uma cartilha do Judiciário para evitar a corrupção. Ninguém melhor que o juiz para saber maneiras de evitar ou compactuar com a corrupção. Se ele chegou à posição de magistrado, tem muito mais noção do que o cidadão comum ou de qualquer carreira do que é desvio de conduta e do que não é. O código de ética que o CNJ está distribuindo demonstra preocupação com a conduta desviada de magistrados? O código de ética da magistratura é necessário em países com o Judiciário ainda muito dependente do Executivo, ou não muito desenvolvido, como os países da África e alguns da América Latina. Ainda é preciso ter o mínimo de noções éticas, posturas que achamos convenientes ditar, para que o juiz tivesse ali um guia, um parâmetro. O Brasil é um país onde o magistrado deve ser orientado sobre sua conduta? Eu acho que sim. O código de ética diz que o juiz não deve criticar decisão de colega, a não ser em despacho bem fundamentado. Na Operação Satiagraha, o presidente do STF, Gilmar Mendes, trocou críticas públicas com o juiz federal Fausto De Sanctis. Houve excessos? Houve excessos? Juiz nenhum tem que criticar decisão de outro. Existe um sistema processual que deve ser utilizado e ponto final. Instâncias superiores confirmam ou reformam decisões de instâncias inferiores. Esse é o sistema, não há que ter críticas. O senhor viu excessos? Fica chato comentar. Eu conheço os dois. Não precisava. Toda discussão pública em relação ao Judiciário e juízes não precisaria ter, porque o nosso sistema processual tem mecanismos para confirmar ou reformar a decisão que tiver errada. Esse tipo de bate-boca expõe o Judiciário? Acho que sim. O Judiciário tem que ter transparência, mas não pode expor suas dificuldades. Principalmente no que diz respeito a um processo, em público. Quando observamos casos no CNJ, fica a impressão de que o conselho julga todas as mazelas do Judiciário. É certo? Não. Estamos reformulando o regimento para tentar arquivar esses casos. O CNJ virou a panacéia para todos os males. Perde tempo com questões menores que poderiam ser solucionadas pelos tribunais ou por políticas públicas de aperfeiçoamento da máquina processual. Temos um serviço de atendimento de telefone que é um muro de lamentações. É uma catarse. "O meu processo não anda", ou "eu ganhei mas não levei", essas coisas. Pedem conselho. Pena que não tenhamos condições de responder. Por que esses casos são encaminhados ao CNJ, se os tribunais locais têm corregedorias? O CNJ deve cuidar de políticas de aperfeiçoamento do Judiciário, de controle administrativo, de controle orçamentário e da conduta profissional do juiz em casos mais graves. Poderíamos agir supletivamente às corregedorias. Por inércia, os tribunais remetem tudo para o CNJ. É preciso que os tribunais parem de tentar fazer com que o CNJ faça o que eles não fazem por falta de unidade ou ineficiência das corregedorias. E os casos de demora em processos? Cabe ao CNJ chamar a atenção do juiz? Não. Há atrasos que não são por excesso de serviço. Quando o CNJ chega a tomar providência, é porque o atraso constitui desídia, infração disciplinar. O que não pode, e tem acontecido, é o CNJ ser um canal de pedido de preferência para o julgamento de um processo. Nosso regimento permite reclamação por excesso de prazo. Quando recebemos, temos que enviar o pedido de informações ao juiz e ele julga o caso. Às vezes, o caso até está num prazo razoável, mas o juiz não quer se incomodar com o CNJ e julga logo. Talvez tenhamos que coibir isso regimentalmente. É uma distorção do sistema. Quando um processo demora, é sempre culpa do juiz? Depende. Há juízes desprovidos de qualquer infra-estrutura. Vários não têm servidores e trabalham sozinhos. E tem outros que não ficam na comarca e dão expediente menor. Muitos juízes não moram na comarca e não trabalham todo dias. O CNJ combate isso? Casos pontuais chegaram, mas é trabalho das corregedorias locais. Quem tem que zelar pelos deveres do juiz são as corregedorias dos tribunais. O CNJ vai ter que começar a responsabilizá-las por eventuais ineficiências. As corregedorias têm que funcionar adequadamente, e não transferir problemas para o CNJ. A corregedoria nacional vai cobrar das locais atendimento das funções que elas devem exercer, para que isso não venha desaguar aqui. Um juiz pode trabalhar numa comarca e morar em outra? Pela Constituição, não. O dever do juiz é morar na comarca, não só para fazer um trabalho adequado, mas para estar presente cotidianamente no fórum, atendendo partes e advogados. Deve conquistar a confiança da população, do cidadão. O juiz tem que ser um entre seus pares. Tem que ser um cidadão que a população sabe que está lá, no qual pode confiar. O juiz, quando faz o concurso, sabe que vai ter sacrifícios. Sabe que nem sempre vai morar na capital. Tem que estar preparado.


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