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A Convenção 158 da OIT e o Modelo Brasileiro de Proteção

28/01/2009
Por Claudia Campas Braga Patah e Túlio de Oliveira Massoni


Claudia Campas Braga Patah
Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Representante docente do Conselho Curador da Escola Superior de Advocacia (ESA-SP) e professora desta instituição. Advogada Trabalhista.

Túlio de Oliveira Massoni
Doutorando em Direito do Trabalho pela USP-SP. Graduando em Ciências Sociais pela USP. Advogado. Professor.
X1 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Convenção 158 da OIT. Dispositivo que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 475, 25 out. 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5820. Acesso em: 26 fev. 2008.
X2 ROMITA, Arion Sayão. Efeitos da ratificação do Convênio n. 158 da OIT sobre o direito brasileiro in Repertório IOB de Jurisprudência n. 5/96, p. 76.
X3 FERRARI, Irany. Convenção Internacional do Trabalho n. 158. In: Revista Ltr, vol. 60, p. 29.
X4 Proteccion contra el despido injustificado. Conferencia Internacional del Trabajo, 82ª reunion, OIT: Ginebra: 1995, p. 90-91.
X5 Proteccion contra el despido injustificado. Conferencia Internacional del Trabajo, 82ª reunion, OIT: Ginebra: 1995, p. 92-93.
X6 Proteccion contra el despido injustificado. Conferencia Internacional del Trabajo, 82ª reunion, OIT: Ginebra: 1995, p. 93.

Recentemente o Governo Brasileiro encaminhou proposta ao Congresso Nacional requerendo a ratificação da aludida Convenção, voltando a matéria a ser discutida pelos interlocutores sociais causando polêmicas, principalmente para aqueles que numa leitura açodada entenderam que, com a ratificação, os trabalhadores seriam prejudicados em seus direitos trabalhistas, principalmente com relação à multa de 40% sobre os depósitos do FGTS.

O presente estudo tem por finalidade contribuir para enriquecer os debates quanto aos efeitos de eventual ratificação da Convenção 158 no nosso ordenamento jurídico.

A Convenção 158 da OIT foi ratificada pelo Brasil e, posteriormente, denunciada. Ainda hoje, tanto a interpretação de seu conteúdo, quanto à constitucionalidade de sua denúncia permanecem objeto de acirrados debates.

O governo brasileiro, por meio do Decreto Legislativo nº 68, de 17 de setembro de 1992, ratificou a Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho e expediu o decreto de promulgação, publicado no Diário Oficial da União, de 11 de abril de 1996, com o que a referida Convenção entrou em vigor em nosso país.

Pouco tempo depois da publicação, o Governo brasileiro resolveu denunciá-la (20-11-1996), conforme o Decreto n. 2100, de 20 de dezembro de 1996, com o que a referida Convenção deixou de vigorar em nosso território.

Diante desses aspectos polêmicos que têm surgido na mídia, necessário se faz tecermos alguns comentários a respeito do conteúdo e do alcance da norma internacional.

O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe do Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto.

Alguns sustentam a inconstitucionalidade do decreto que denunciou a Convenção n. 158 da OIT, já que ainda se encontra pendente de julgamento a ADIn nº. 1625, perante o Supremo Tribunal Federal.

Além da validade da denúncia da Convenção 158 da OIT, também se discute sua compatibilidade (na verdade, sua harmonização) com o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo com o artigo 7º, inciso I da CF/88, aspecto no qual centraremos nossa análise.

Quanto a seu conteúdo, a Convenção proíbe a dispensa imotivada e estabelece uma série de requisitos quanto ao prazo, forma e procedimento de dispensa, inclusive a coletiva.

O artigo 7º, inciso I, da CF/88 exige que a matéria atinente à despedida arbitrária ou sem justa causa seja regulada em lei complementar, obrigando o legislador a prever a indenização compensatória.

No artigo 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o constituinte estabeleceu, até a edição da lei complementar, do art. 7º, o limite da proteção "nele referida" ao aumento, para quatro vezes, da percentagem prevista no artigo 6º, caput, e § 1º, da Lei nº. 5.107, de 13 de setembro de 1966 (primeira legislação de FGTS)

Convém atentar para o fato de que o artigo 1º, da Convenção nº 158, da OIT ressalva sistema de proteção diverso daquele ao qual ela dá preferência e que esteja eventualmente consagrado na ordem jurídica interna de cada país:

"Dever-se-á dar efeito às disposições da presente Convenção através da legislação nacional, exceto na medida em que essas disposições sejam aplicadas por meio de contratos coletivos, laudos arbitrais ou sentenças judiciais, ou de qualquer outra forma de acordo com a prática nacional".

Qual é a prática nacional no Brasil?

A CF/88, art. 7º, I, autoriza a dispensa e, como conseqüência, não prevê a reintegração forçada. Prevê, isto sim, uma indenização equivalente, a ser fixada em lei complementar - que até o momento não foi editada. Até que seja editada Lei Complementar, está em vigor o art. 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que, provisoriamente, como dito, fixa a indenização compensatória.

Registre-se que a Lei nº. 5.107/66 foi revogada pela Lei nº. 8.036, de 11 de maio de 1990, que, no §1º, do artigo 18, manteve a indenização compensatória em 40%, pois, não sendo complementar o novo diploma, não poderia alterar nem a quantia, nem o critério, constantes da disposição constitucional transitória, cujo conteúdo deu concreção provisória ao comando permanente do art. 7, I, da Carta da República.

É absolutamente subordinante este comando constitucional, pois o constituinte, entre outros direitos, mencionou e destacou a "indenização compensatória" precisamente para que o legislador ordinário não a substituísse pela reintegração. Indenização compensatória e reintegração são dois critérios jurídicos e políticos distintos, que se excluem reciprocamente. Adotado um, automaticamente estará excluído o outro.

Como se sabe existem diversos modelos de proteção contra dispensa imotivada. Da leitura do artigo 7º, inciso I, depreende-se que o sistema constitucional brasileiro adotou o modelo de indenização compensatória. Mas, ainda hoje, há divergências doutrinárias nesse particular, bastando registrar a opinião de Jorge Luis Souto Maior quanto ao artigo 7º, para quem "da previsão constitucional não se pode entender que a proibição de dispensa arbitrária ou sem justa causa dependa de lei complementar para ter eficácia jurídica, pois que o preceito não suscita qualquer dúvida de que a proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa trata-se de uma garantia constitucional dos trabalhadores. Está-se, diante, inegavelmente, de uma norma de eficácia plena. A complementação necessária a esta norma diz respeito aos efeitos do descumprimento da garantia constitucional". 1

O art. 4º da Convenção proíbe categoricamente o término da relação do trabalho, a menos que exista para isso uma causa justificada.

Não se põe em dúvida esse aspecto. Observa nesse sentido Arion Sayão Romita:

"O art. 4º da Convenção explicita as razões que podem justificar o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador: não se porá fim à relação de trabalho a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com a capacidade do trabalhador ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço. Esta é a disposição fundamental, que justifica a própria aprovação do instrumento em apreço. E a consagração do princípio da continuidade da relação de emprego, sufragando a tese da proscrição da despedida arbitrária". 2

Identicamente, anota Irany Ferrani:

"Como se vê, a garantia do emprego e não a estabilidade teria entrado no Brasil, não se permitindo doravante o término dos contratos de trabalho por prazo indeterminado por simples arbítrio dos empregadores." 3

Centrando a análise no próprio texto da Convenção n. 158 da OIT, questão problemática é a de saber se o art. 10º pode ser aplicado à hipótese de despedida realizada sem indicação de causa que a justifique, com infração mais contundente à regra do art. 4º.

O art. 7º, que compõe a Seção B da Parte II da Convenção, exige que se assegure ao empregado o direito de defender-se das acusações feitas contra ele, no caso de dispensa por motivos relacionados com seu comportamento ou seu desempenho.

Já o art. 10 está inserido na Seção C - "Recurso contra o término". O primeiro artigo dessa Seção é o 8º, por força do qual "o trabalhador que considerar injustificado o término de sua relação de emprego terá o direito de recorrer contra este perante um organismo neutro o qual estaria habilitado a examinar "as causas alegadas para justificar o término da relação de trabalho e todas as demais circunstâncias relacionadas com o caso e para se pronunciar sobre o término ser ou não justificado", nos termos literais do art. 9º dessa mesma Seção.

Por fim, o art. 10 da Convenção 158 da OIT, o último da Seção, dispõe que se os organismos mencionados no art. 8º (no caso do Brasil, a Justiça do Trabalho) chegando à conclusão de que o término da relação de trabalho seja injustificado, poderão ordenar a readmissão do trabalhador ou o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação apropriada.

ARNALDO SUSSEKIND explica o conteúdo da Convenção 158 da OIT no que tange à violação do seu art. 4º. Em qualquer de suas formas - despedida imotivada ou indicação de causa improcedente, o empregado poderá recorrer a um Tribunal ou a arbitragem, caso em que incide a regra do art. 10º. A decisão judicial ou o laudo arbitral poderão determinar: a) o retorno do empregado (reintegração ou readmissão); b) uma indenização adequada; ou c) outra reparação apropriada. E acrescenta o ilustre autor: "Esse elenco de opções foi adotado pela Conferência a fim de que a convenção obtivesse dois terços dos votos dos delegados, eis que a maioria dos Estados-membros não assegurava como ainda não asseguram a estabilidade do trabalhador no emprego, com direito à reintegração na hipótese de despedida injusta ou arbitrária. Ora a previsão da "indenização adequada", tal como a "indenização compensadora" do art. 7º, I, da Constituição brasileira, exclui, se adotada pela legislação nacional, a reintegração do trabalhador como fórmula de reparação da despedida injustificada ou arbitrária."

Não vemos como ser possível este poder ao judiciário brasileiro para que, "sponte propria", possa optar pela reintegração, indenização ou outra reparação. Com efeito, o art. 10º da Convenção remete o modelo de reparação aos ordenamentos jurídicos internos e, no caso do Brasil, a questão já está disciplinada pelo art. 7º, I, da Constituição.

Além de tudo, enquanto a Convenção nº. 158 prevê a reintegração do próprio empregado, como medida prioritária a ser adotada pela Justiça, quando verificado que foi ele despedido arbitrariamente ou sem justa causa, o art. 7º, I, da CF/88 garante indenização compensatória, além de outros direitos, excluindo implicitamente a reintegração. Caso se conclua que o modelo de proteção adotado pela CF/88 seja o de reintegração, do que discordamos, é evidente que a indenização compensatória hoje paga não mais seria devida, sob pena de, indevidamente, fundirem-se os dois modelos de proteção, situação que não tem acolhida nem mesmo na OIT, que diferencia os vários modelos possíveis.

Reitere-se: o artigo 10 da Convenção 158 da OIT remete à legislação e às práticas nacionais a possibilidade de anular a extinção do contrato e eventualmente ordenar/propor a readmissão ou a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada e outra reparação que se considere apropriada.

Essa interpretação, aliás, é confirmada pela própria Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e de Recomendações da OIT:

"O artigo 10, tal como está redigido, dá preferência à anulação da despedida e à readmissão, como meios de reparação da terminação injustificada, mas mantém-se flexível, já que prevê outras vias de reparação em função dos poderes do organismo neutro (...). O texto especifica, ademais, que em caso de pagamento de uma indenização, esta deveria ser ‘adequada’". 4

Ainda de acordo com a OIT, na maioria dos países, as soluções adotadas que dão preferência a uma ou outra forma de reparação não são rígidas; podem depender especialmente das disposições invocadas e, por conseguinte, das vias recursais eleitas e da natureza do querelante, no caso, por exemplo, dos dirigentes sindicais. Outros países tomam em consideração a vontade das partes. Esses países estabelecem a readmissão como regra fundamental, ainda que este princípio possa, não obstante, ser afastado se uma das partes ou ambas assim desejarem. Em outros casos, ainda, o empregador pode se opor à readmissão e substituí-la pelo pagamento de uma indenização. Em outros países, ainda, cabe ao organismo competente decidir que se conceda simultaneamente a readmissão e a indenização financeira. 5

O ordenamento jurídico brasileiro (CF/88, art. 7, I) adota o modelo indenizatório atrelado ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. A proteção contra despedida arbitrária de que trata o artigo 7º, I, da CF refere-se a uma proteção genérica a todos os trabalhadores. De acordo com a OIT, "em um país onde o direito continua fundado no princípio da liberdade de término, segundo o qual, as relações de trabalho podem ser extintas sem que seja necessário recorrer a uma forma especial ou alegar uma justificativa, o trabalhador vítima de uma rescisão abusiva não pode exigir a anulação senão unicamente tem direito a uma indenização pecuniária". 6

É de se ressaltar, não obstante, de acordo com o "Informativo STF" n. 48, de 16.10.96, o Ministro Celso de Mello, Relator da Adin n. 1.480-3-DF, enfatizou em seu voto que a Convenção n. 158 consubstancia a adoção, pelo Estado Brasileiro, de verdadeiro compromisso de legislar sobre a matéria nela versada, com observância dos princípios constitucionais pertinentes. Salienta, mais, que os tratados e convenções internacionais, ainda que guardando relação de paridade normativa com o ordenamento infraconstitucional, não podem disciplinar matéria sujeita à reserva constitucional de lei complementar, daí exsurgir a ausência de auto-aplicabilidade da norma em comento.

O supracitado Ministro do STF entendeu que o texto da Convenção n. 158, além de encerrar disposições já consagradas pelo ordenamento jurídico brasileiro (v.g. arts. 4º, 5º, 6º e 8º), não impõe, como única conseqüência decorrente da despedida arbitrária, a reintegração compulsória do trabalhador demitido – instituto incompatível, a seu ver, com a garantia da indenização compensatória inscrita no artigo 7º, I, da Constituição Federal – mas apenas conclama os Estados convenentes a adotarem essa ou outra regra de proteção à relação de emprego que se harmonize com a legislação de cada país.

Nesse sentido mencione-se a seguinte decisão trabalhista:

"O indeferimento do pleito relativo à reintegração ou à indenização com base na tão propalada estabilidade genérica da Convenção 158 da OIT é de extrema importância, pois que, se o contrário se desse, estar-se-ia diante da intervenção alienígena as normas que direcionam o nosso Estado de Direito, com a supremacia da Convenção sobre a Constituição Federal, com o que não se pode corroborar, por absurdo. Vale reiterar que a inserção dos termos da Convenção ao Direito Nacional não pode ser considerada de forma simplista, pois que encontra óbice nos limites desse sistema de proteção estabelecidos na Constituição da República. O fato é que a Convenção 158 da OIT, em termos práticos, nada acrescentou ao sistema de proteção do trabalhador contra a despedida arbitrária, pois que os limites já foram traçados pela norma constitucional, a qual já tratava a questão dentro do espírito da própria Convenção." (TRT 3ª Região - Processo n. RO 18097/97; Relator: Sérgio Aroeira Braga; Revisor: Maurício Godinho Delgado).

Ainda que a Convenção 158 comine de nulidade as dispensas injustas, certo é que não há a garantia da readmissão, pois o ordenamento jurídico brasileiro somente prevê a proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa mediante o pagamento de indenização (CF, art. 10 do ADCT), ressalvada a estabilidade para casos especiais, como os do dirigente sindical (CF, art. 8º, VIII), da gestante, do "cipeiro" (CF, art. 10 do ADCT), do acidentado (art. 118 da Lei 8.213/91), e outras. Logo, salvo as hipóteses de estabilidades especiais, como regra constitucional geral do sistema brasileiro, o empregado dispensado imotivadamente, faz jus não à reintegração, mas tão-somente à indenização compensatória de 40% do FGTS (art. 10, I, do ADCT), liberação dos depósitos do FGTS (art. 7º, III da CF) bem como ao seguro desemprego (art. 7º, II da CF). Há compatibilidade, portanto, com os artigos 10 e 12 da Convenção 158 da OIT.

Em suma, o inciso I do artigo 7º da Constituição da República de 1988, foi provisoriamente regulamentado pelo artigo 10, I, do ADCT, o qual limita a proteção a indenização de 40% sobre os depósitos do FGTS. Portanto, a ratificação da Convenção 158 não tem o condão de alterar o nosso ordenamento jurídico.


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